7.7.10


"...Só tenho uma chave e não sei que porta ela abre."
Há uma força destrutiva. Muitas vezes nos ataca quando menos esperamos, quando olhamos o mundo com olhos de menina. Quando fingimos não sentir o cheiro da dor, do sofrimento de tantas mulheres que já passaram pelos mesmos enganos e ilusões quando se casaram com seu predador. Em sua barba azul está o registro da dor, é um azul de um sangue venoso, um sangue que não alimenta, pobre de oxigênio, um sangue que sufoca. Por que procuramos esse sufocamento? Até quando as mulheres continuarão sufocando sua arte, suas dores, suas vontades de ser mais, de procurar um verdadeiro amor, algo que as alimente verdadeiramente. Essa é minha busca, mas quanto mais imprimo força para ir atrás  dessa liberdade, desse amor, mais uma força contrária se faz presente. Há uma luta. Mas sinto que uma energia selvagem me guia e se mostra em meus sonhos.
Tive um sonho e não tive um sonho. Um devaneio. Um homem já conhecido chegava perto de mim, me abraçava. Eu por ele nada sentia. Nunca senti. Mas não conseguia afastá-lo do meu corpo. A cena era partilhada com outras pessoas conhecidas que aprovavam seu abraço, seu interesse de homem e não mais de amigo. E ele vinha. E me envolvia.  Sem  conseguir falar, me deixava envolver, sem saber o que fazer. Até que ele me beijou. Até que estava envolvida por ele, mesmo sem querer estar. E assim ficamos e ali fiquei enebriada. E via no olhar dos outros aprovação, embora eu mesma não aprovasse e achasse aquela situação toda muito estranha. Um tanto quanto sem cabimento.  Mas ao mesmo tempo pensava como a irmã mais nova: "até que a barba dele não é assim tão azul". Quantas vezes fiz isso? Perdi as contas. Quantas vezes sorri quando queria mostrar os dentes, quantas vezes beijei sem querer beijar, quantas vezes aceitei me maltratar. Quantas vezes fiquei com a chave na mão sem querer despertar. Quantas vezes abri a porta e não quis acreditar? Quantas vezes tive de tropeçar e tropeçar, morrer e nascer de novo? E quantas vezes mais terei de por essa situação passar. Nessas horas temos de lembrarmo-nos que a vida é uma grande espiral e que o que aparenta ser não é. E o que é não aparenta ser. 
Paciência. O exercício da paciência para com nossa infantilidade se faz necessário. E o reconhecimento de nossa luta e esforço também. Disciplina. Confesso que estou cansada de subir a montanha e não vejo a hora de encarar de uma vez por toda a dor para adquirir uma nova e renovada consciência sobre a vida, mim mesma. Descobrir a força destrutiva que há em nós pode nos ajudar a reconhecermos nossa própria força. Deixamos de projetá-la no outro para reconhecer em nós mesmas. E então podemos ir em busca Daquela Que Sabe, da Mulher Selvagem.
Excerto: Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem.
Imagem1: http://lemuseemiroiteur.unblog.fr/tag/moimoimoi/les-dessous-de-la-palette/

Um comentário:

Anônimo disse...

Realmente Amanda, como as relações estão carregadas de dor e de vazio... Tem vezes que fica difícil acreditar na possibilidade do encontro.