23.1.11

"O que eu quero contar é tão delicado quanto a própria vida. E eu quereria poder usar a delicadeza que também tenho em mim, ao lado da grossura de camponesa que é o que me salva."
Estou aqui em frente ao cérebro eletrônico, que faz quase tudo. Quero escrever sobre minhas angústias, dores sem ser melancólica ou chata. Quero que o caro leitor identifique-se com a minha dor. Apesar de, como diz Paulinho da Viola: "a dor é minha dor". Difícil de ser compartilhada. Mas escrever é uma tentativa de compartilhar a dor de tal ofício. Sacrifício. Sacro ofício. Ofício santo a tentativa de aliviar o peito das angústias do mundo.
Hoje acordei assustada. Sonhei que toda a cidade desabava; pessoas atiravam-se de altos prédios e prédios caíam junto. Eu e meus pais, dentro de um táxi, tentando fugir daquela caótica situação. Desesperada, acordo e estou em meu quarto escuro. Agora, sem o efeito do sonho, penso: o que está desabando em minha vida? Que estruturas estão caindo? E do que quero fugir? O prédio quase cai em cima de mim. O trânsito da cidade enlouquecido, as pessoas surtam. Eu nada entendo. Achei que era realmente o fim do mundo. E lembro-me de pensar: 2011! As previsões não muito boas da quadratura T envolvendo nada menos do que Plutão, Júpiter, Urano e Saturno se faziam presentes em meu sonho. De que forma elas atuarão em mim? Desejo realmente que algumas coisas desabem em minha vida. Velhas crenças, velhas formas de sentir e agir que já não servem mais para a nova roupagem que está por surgir. Ainda sigo com velhos padrões. Ainda sinto que uma velha senhora caduca habita meu corpo ao lado de uma mimada garotinha em busca de proteção. 
Essa menina volta e meia sente uma profunda solidão. Devo explicitar que não se trata da solidão da Rapunzel, da Bela Adormecida ou da Branca de Neve. É a solidão de um profundo desamparo, que se compara a do Patinho Feio vagando a procura da sua turma e que se sente deslocado e atrapalhado em muitos espaços e situações. A solidão de Clarice Lispector, Virgínia Wolf - que pretensão! - mulheres fora de seu tempo, fora de seu mundo, que não conseguiam adequar-se aos modos e formas vigentes. É a dor daqueles que sentem com as entranhas.
Talvez, eu seja muito pretensiosa, mas me sinto em muitos momentos como Prometeu, que por levar o fogo aos homens, foi condenado por Zeus a ter seu fígado devorado eternamente. A dor do conhecimento. Onde está Kíron para me salvar do castigo eterno? Onde estão os outros cisnes? Estou no inverno de minha alma. E se não tomar uma atitude sinto que posso morrer congelada. Coração de pedra. 
Na verdade sofro de um mal que muita gente sofre: auto-piedade, esperando que alguém possa me salvar. Mas só eu mesma tenho a chave que abre a porta cerrada do meu coração, deixando o barro novamente se molhar e se moldar. Quero poder me moldar novamente. Quero que a vida me molde. Quero um novo mundo. Quero poder olhar com alegria. Preciso deixar essa pelagem. O outono chega para me desfolhar. Que o inverno me transforme, que a natureza bruta ressurja em mim. 

Imagem: Lasar Segall
Excerto: Clarice Lispector, A descoberta do mundo.

13.1.11

Feliz ano novo a todos! Embora o ano ainda não tenha começado realmente. "Ãh?! Está achando estranho?" É, isso mesmo. O ano ainda não começou! Você já percebeu o que todo mundo diz? "O ano só começa em março". Sim, isso mesmo. Quer você queira ou não, todos nós estamos alinhados com o Cosmos e o Ano Novo Cósmico acontece em março! Fins de março, equinócio do outono, áries! Signo iniciador, com todo seu gás e energia para iniciar a jornada de mais um ciclo de vida. 
Antes, as pessoas estavam mais alinhadas com os ciclos da natureza. Mas, depois de alguns ditadores, alguns imperadores e o estabelecimento de uma sociedade patriarcal acabaram com isso tudo e o homem passou a acreditar que ele fazia as leis do mundo e dominava tudo o que vivia nele. Hoje em dia,  sofrendo de sintomas megalomaníacos, acredita que domina o Cosmos e que é o único habitante do Sistema Solar. Para mim, acreditar nisso, é tão louco quanto a loucura. 
Quem em sã consciência, quando pára para pensar um pouquinho, realmente acredita que todo esse Sistema Solar, do qual a gente não consegue nem fazer idéia do tamanho, só possui vida no Planeta Terra? O qual se torna um planetinha minúsculo perto de Júpiter, por exemplo? Como diz uma amiga: Como assim?! Como assim???!
Esses dias estava lendo Stephen Arroyo, astrólogo e psicólogo, que, citando Winston Churchill, afirma em seu livro "Astrologia dos relacionamentos íntimos": "só porque não conseguimos explicar como algo funciona, não quer dizer que não funcione". Churchill disse isso após o seu tratamento com homeopatia. Achei um máximo. E isso mostra nossa mania de querer entender tudo e de acreditar que tudo cabe  em nosso parco entendimento da vida. Como se tivéssemos capacidade para isso. Sofremos de uma superinflação do ego. Olha o nosso tamanho perto do Universo! Você realmente acredita que é mais inteligente que o próprio planeta Terra? É, eu sei. A imensa maioria das pessoas pensa que o próprio Planeta Terra é um amontoado de terras, águas e petróleo. Triste. Isso mostra a nossa desconexão e a dificuldade de hoje em dia, refletirmos sobre a vida. Quando se tinha mais tempo para contemplarmos a natureza, percebíamos que não era possível existir somente nós, nem que só nós éramos os inteligentes. É necessário que outras inteligências existam para que os ciclos aconteçam, para que os planetas girem, para que a vida continue e termine e nasça de novo. Talvez, por isso, a Filosofia seja uma escolha de poucos, hoje. Quem tem tempo de contemplar e quem acredita na utilidade disso? Hoje, não basta que as coisas sejam simplesmente belas, interessantes. Tudo, asolutamente tudo, tem de ter uma utilidade, mesmo que seja descartável. Usar e jogar fora. Fora onde, se todos estamos dentro? Daqui a pouco vão inventar um jeito de mandar o lixo para o Espaço e vamos ver em vez de chuvas de meteóros, chuva de lixo: "Olha! Um lixo cadente! Faz um pedido!!" E você, faz depressa: "por favor, não caia em cima de mim." 
Estou sendo um tanto trágica? Não, somente engraçada. Se você não achou graça, problema seu! Espere até eu ser trágica. Por enquanto, estou em ritmo de feliz ano novo, tentando pensar um pouco na loucura do mundo. Como diz uma música das danças circulares do Tarô, criada por Maria Aché: "A sabedoria de Deus é loucura diante do mundo. E a sabedoria do mundo é loucura diante de Deus."
Feliz ano novo!

Imagens: Who is the fool? de Susanne Clark
               Fool - Arcano do Tarô.