25.4.11

Metade


Hoje de manhã recebi um e-mail com um poema de Ferreira Gullar, que é perfeito para o que venho sentindo sem querer sentir nesses últimos dias. Sinto-me assim; metade. Dividida entre o sentimento e a razão. Entre o querer e o fazer. Entre a dor e o perdão. Entre chegadas e partidas. Entre gritar e calar. Entre correr atrás e deixar que se vá. Qual a medida de paixão? Qual a medida do anseio? Da dúvida? Da questão? Não sei, sinto-me entre metades. Entre sonho e realidade, entre liberdade e prisão. Tento caminhar na estreita fenda desse entre. Esse lugar que acolhe a dualidade e descobre que se é bom e mau, amor e ódio, tristeza e alegria, solidão e companhia.
Mas, prefiro deixar Ferreira Gullar falar por mim, sou uma escritora menor e nada sei do tempo, do outro e muitas vezes nem de mim.

Metade

Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio…

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste…

Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.

E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.

Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.
Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.

Porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade…
também

Imagem: René Magritte, The harvest.

20.4.11


Esqueci que sentia sede. Esqueci que a água me nutria e que sem ela sou incapaz de sobreviver. Esqueci que sentia fome, que o alimento me fortalece e que sem ele não sou capaz de seguir adiante. 
Esqueci que podia ver e esquecendo de ver, deixei de perceber o pão e a água em cima da mesa, e não comi nem bebi. Me sentia fraca e não sabia o porquê, vaguei como uma viva-morta-viva sem saber onde ir  e o que procurar. Encontrei o medo, a dor, a angústia, a estranheza, a solidão e todos me fizeram lembrar de mim mesma, da minha própria natureza livre e errante. Um dia, havia me esquecido de andar, de amar, de dar e só lembrei todas essas coisas quando comecei novamente a criar.
Havia esquecido a arte, a beleza de amar, minha alma torta de artista. Sem ela nada sou, porque ela me nutre, me alimenta, é o que me deixa em pé e o que me faz viver. É a água para o barro, aquilo que recicla a vida, aduba a terra. É o sangue que flui do meu coração todos os dias.

Imagem: Frida Kahlo, My nurse and I.

7.4.11

 "Diego chegou cedo e esperou no portão/Na mão uma mochila, em outra seu irmão/Passaram pela grama pra me abraçar/Aquele abraço ficou para sempre ali/Diego quer voltar com seu irmão/Diego quer falar da solidão/Diego quer voltar..."

Um dia pensaste que minha escrita era endereçada a ti. Em tua homenagem, hoje te escrevo, presente de aniversário. Saudades? Sim, muitas vezes. Muitas vezes. Saudade de alguém inteligente, alguém que puxe minhas orelhas e faça ironias a respeito do meu cruel destino e dos dramas da minha vida. Diego me traz leveza. É um ser implicante, chato, um pé no saco. E adoro isso. Quando reclamo da vida, ele sempre mostra o absurdo de minhas lamúrias. Me tira de mim mesma, do lugar de vítima, às vezes fico brava. Queria só um colo. Mas acho que é a implicância, a medida do amor. Se vivêssemos em outros tempos, nos corresponderíamos por cartas, a escrita é nossa forma de comunicação. E talvez por isso dê tão certo. A distância nos une.

Às vezes gosto de pensar que, se por aqui morasses, as ruas dessa cidade iam cansar de tanto nos ver. Os bares iriam nos reconhecer e as madrugadas seriam nossas eternas companheiras. E todas as estrelas e nuvens de um céu nublado testemunhas de nossas histórias.
Essa amizade que começou de forma totalmente despretensiosa já tem 5 anos, sustentada por conversas cibernéticas (quem diria?), com histórias absurdamente pessoais regadas a humor e ironia. Diego é espelho da parte mais racional e pragmática que há em mim; mais chata, cheia de planejamentos e com o pé muito no chão. Brigo com ele por ser assim. Mas sou igual, sem tirar nem por. Dois teimosos taurinos que tentam entender as relações humanas, mas que nasceram mesmo para o trabalho. Diego, mais do que eu, formado em economia, segue crescendo com altos planos futuros. Eu, por minha vez, também tenho altos planos futuros, mas sigo numa linha de fuga. Por enquanto, decidi não seguir carreira acadêmica, enquanto o Di, já é professor universitário. Nessas horas é que a gente percebe: o mundo está perdido mesmo! (Desculpe, benhê, não pude perder a piada obviamente). 
A sinceridade e espontaneidade nos une. Ah! E o bom gosto, é claro. Tudo isso acompanhado de um bom café e bom papo. Assunto, quase sempre repleto de besteiras, não falta. E Às vezes sinto falta disso. 
Gosto de imaginar nosso futuro: um casal de amigos velhinhos muito pervertidos, a falar bobagens e devaneios. No meio da cena, bato com a minha begala em sua cabeça às gargalhadas.


Trecho da música A.R. 14, Cidadão Quem