13.1.10



Quero um novo coração. Um coração novinho, capaz de amar, todo cheio de esperanças. Um coração de menina sonhadora, um coração que saiba se doar e que seja do tamanho do mundo capaz de a todos abarcar, amar. Eu quero um coração maior que o mundo, maior que eu mesma, capaz de chorar. Em troca doo um cérebro. Um cérebro que não para de pensar, o qual eu não consigo desligar. Ele pode ser útil para os impulsivos, para os que tem a cabeça cansada, para os velhos ou os que tem preguiça de pensar. Esse não tem preguiça de pensar, ele pensa o tempo todo, não para nunca. De noite, de dia, em sonho, dormindo. Sempre se exercita. Se meu cérebro tivesse músculo eu sofreria de hipertrofia muscular. E minha cabeça seria gigante. E como tem memória! É um espaço infinito de memória. É impossível.
Lembra-se da infância com detalhes. A primeira vez que foi para creche, o cheiro da primeira goiaba arrancada da árvore. O vento em seus cabelos, os castelinhos com seu pai na praia, os banhos de mar, os dedos murchos ao voltar para a areia. O sorriso feliz de estar no mar, a companhia amiga e cúmplice de seu pai, as diversas brincadeiras, as danças em cima dos pés, as cabanas na cama aos domingos. Os pulos na cama de seus pais. As guerras de cócegas com sua mãe, quem beijaria primeiro o nariz? As brincadeiras de esconde-esconde, as corridas na pracinha, andar de balanço e querer encostar com os pés nos galhos da árvore, o frio na barriga cada vez que ia mais longe, a sensação gostosa da brisa em seu rosto. Seus amigos queridos de infância. As lagartas, lesmas, tatu-bola, os dias de domingo na casa do avô. Os cheiros, a grama, o contato com a natureza, o amor por tudo. A alegria e o prazer dos pequenos momentos. Tudo guardado e nítido, brilhando. Tanta lembrança. Tanta sensação que dói sentir. Necessário se faz um coração novo. Um coração inteiro. Um coração de menina. Preciso resgatar a menina que há em mim. Preciso entender o que é o amor, o que é amar. O que é lembrar, o que é esquecer. Deixar-se viver. Deixar-se acalentar, embalar num colo aconchegante. Entregar. Entregar-se para vida. Toma conta de mim, embala meus sonhos e faz de mim menina. Inocente criatura que se impressiona com as pequenas coisas da vida.

Imagem: Frida Kahlo, Le due Frida.