22.7.09

"Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorrir mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral..."
Dias nublados. Dias cinzas. Netuno anda imprimindo sua força em meio a águas cancerianas. O sol aqui no sul tem aparecido timidamente em Câncer, como de costume. Dias de chuva. Muita chuva. Já não sei se vem dos céus ou da terra. E ando me pergutando a respeito de muitas coisas. Netuno tem me questionado, de um modo muito peculiar sobre a vida. E é nos grupos que sinto essas perguntas, essas questões ganham cores. O que tenho feito para a vida ter sentido? Quais são minhas ilusões? O que continua na sombra, escondido? Grandes momentos de abertura para a-mar, o grande inconsciente que carregamos em nós. Tive um sonho. Sonhei ir à praia. O dia estava tão nublado como hoje e a chuva também parecia vir de todos os lados. Aquela chuva fina. Aquele vento frio. Dias de inverno. Desci do ônibus que parou numa rua de frente para o mar. Acho que estava em Tramandaí. E isso faz todo o sentido; as férias de minha primeira infância se deram lá. Era uma tramandaí diferente. Era algo como Capão Novo. Calma. Com aquelas pedras nas vias. Junto de mim estava um amigo. Amigo de infância. Velho amigo, grande sábio. Sabe escutar. Aquela escuta em que a gente esquece do si mesmo e se dispõe a ouvir com os dois ouvidos. Esse amigo, estava ao meu lado. Ajudando-me a enfrentar a grande jornada. Mesmo com o frio, a chuva, o dia nublado, decidi ir até a praia. Meu velho amigo acompanhou-me como fiel escudeiro. O mar estava revolto. As ondas estavam enormes e passavam do limite imposto pela areia. Nos molhamos. As ondas nos pegaram. E não havia nenhum medo naquela situação. Parece que eu sabia da necessidade de me banhar. Tomar aqueles caldos de água. Tenho tomado até hoje esses caldos do mar. Esse sonho foi o marco, o início de toda a jornada pelas águas que estaria por vir. Sinto-me no meio do caminho. E quero atingir o caminho do meio. Na verdade não sei ao certo onde estou. Só sei que é importante navegar. Algumas vezes, o pai Céu me oferece dias de calmaria e muito sol. Momentos para respirar. Trégua entre Poseidon e o Céu. E outras vezes, novamente me afogo no mar. E há trovões e raios trazidos por Urano. Mas Júpiter também me acompanha e me ensina a ver longe, além mar, o objetivo de tudo isso. E me acalmo novamente, deixo-me afogar.
Outro dia se passou e já consigo ver a margem, os desdobramentos da transformação, da água salgada sobre minha pele. Estou emergindo como Afrodite; depois de uma luta intensa entre pai e filho, uma luta pelo poder, a consciência emerge, vem o amor de um coração cansado de racionalizar, de fazer o que é certo. O esperma do Céu mais uma vez fecunda Gaia, porque essa é sua natureza: incansavelmente criativa, criadora. E a Mãe Terra dá luz ao amor. Lutas internas, necessário se faz matar o pai, a autoridade autoritária para viver a vida. Plenamente. Amorosamente. Consciência. O amor emerge em mim.
Imagem: O nascimento de Vênus, 1863 - Alexandre Cabanel
Excerto: Caio Fernando Abreu, Além do Ponto em Morangos Mofados

8.7.09



Quem? Porque mesmo estou aqui? Será que tudo isso faz sentido? Ando fora, ando em borderline. Entre abismo. Não sei onde estou. Uma neblina toma conta de mim. Não enxergo. Netuno inundou minha terra e me sinto num mar de lama. Sou o Ulisses que quer voltar para casa. Busco Penélope em todos os cantos. E nenhuma das mulheres é ela. Iludido. Expectativas, anseios, desejos. Luto contra a força do mar, creio poder navegar sozinho. As ondas aumentam e me sinto extremamente frágil. Todo orgulho se vai. Estou humilhado, cansado, derrotado e com vontade de chorar. O que querem de mim, os Deuses? Quero, apenas retornar ao lar. Ítaca. Não importam mais as batalhas, as lutas ganhas. Isso já não faz mais sentido. E afinal o que faz sentido? Não posso mais fingir que não me abalo com coisas pequenas. Elas machucam, sim. Como posso dar voltas no mar? Quando penso estar perto de casa, me dou conta que estou mais distante. E já se passaram cinco anos que desapareci em meio às águas. Estou perdido. Perdido de mim mesmo. Não sei onde se encontra o fim da meada, o fio que tece a vida, o destino, o que fazem as três moiras? Bebi a águar de Leter e tudo esqueci, já não sei meu nome, para onde devo ir. Vago pela cidade. Vagabundos. Deixei um lugar vago não sei onde. Será que já foi ocupado? Será que esqueceram de mim. Eu esqueci de mim. Existo porque ainda sinto. Ainda choro por um passado que não sei quando foi. Parace que escrever me ajuda a dar sentido a tudo isso. Sei escrever. Fui um homem letrado? Nada sei. Quem me lê? Não vejo a hora de Netuno me deixar em paz. O que quer de mim, Senhor dos mares? O que preciso entender? Por que não sois claro e direto como fogo, porque vos encondeis n'água? Tudo parece tão rarefeito, liquefeito. Nada sinto. Estou sedado. Vejo tudo fora de foco. Forte miopia-neblina. Minhas lágrimas atrapalham minha visão clara e não consigo parar de chorar. Soluços vem e vão. Diafragma. Falta de ar. Sou um pássaro preso no mar. A água me sufoca. Preciso emergir. Sereias, feiticeiras dos mares. Cantos que me desviam da rota. Que rota? Não encontro mais meu norte. A última tempestade levou minha bússola para o mar. Nado e nado dentro do mar. E nada consigo encontrar. Encontro outros seres, outras cores que me fazem desviar. Remos? Velas? Também não os tenho. Novamente estou à deriva. Devo aprender a navegar. Ando fora.

2.7.09

"Silencio, no hay banda. É tudo uma ilusão."

As palavras dizem: "silêncio".
Silêncio. E silencio. Calmamente, fico quieta. No aguardo de um som, um som que diga: segue. Vai adiante, toma tuas palavras roubadas. Retoma. Tomar de novo aquilo que foi retirado. Engolir novas palavras e falar de outro jeito. Mas o som insiste: silêncio. Silêncio. Silêncio. Um mantra se instaura em meu ser e fico em estado de latência, tentativa de ouvir as palavras. "Silencio. No hay banda". David Lynch. Um convite à pausa necessária. Repouso da mente inquieta, louca, atada. Um convite a simplesmente olhar a vida sem julgamentos, um convite de alguém que cansou de falar, de brigar. De quem lutou contra as ondas do mar. Entrega. Deriva. Devir. O acontecimento que surpreende. Prende. Prende a gente naquele momento, nos faz parar o insano movimento circular. Inconsciente que emerge. Vem à tona. O lugar vazio. Contemplar o absurdo som ensurdecedor do silêncio. Forço uma resposta das palavras. Nada acontece. A tentativa de me aquietar. Deixar a vida me guiar. Aprender sem necessidade de tudo explicar. Racionalizar. Necessidade de seguir as emoções, o caminho da intuição. O coração. Então fico em silêncio. Cansei de lutar. Silêncio.
Imagem: Vincent Van Gogh, Noite de estrelas. 1889.
Excerto: Citação do Filme Cidade dos sonhos, David Lynch.