29.7.10

O poder feminino


Há uma mês tive a oportunidade de asssitir um parto em casa. Foi uma experiência única. Estou, agora, tentando descrever o indescritível. A parteira me telefona, dizendo que a gestante está em trabalho de parto. Chego à sua casa e sinto uma paz e um profundo acolhimento. Chego em silêncio ao lugar sagrado do parto. E vejo a mãe, uma grande mãe, muito empoderada e totalmente recolhida em seu mundo interno. Parecia meditar. A cada contração, a volta para dentro de si mesma, a busca de forças em seu mundo interno e era mágico acompanhar aquele momento. Sentia ali o poder do feminino e era como se aquele poder me empoderasse também e sentia a força de ser mulher e o poder que é dar à luz. O silêncio se fazia presente e só era possível ouvir o som de uma música meditativa que tocava ao fundo.
Impressionante. Palavra que define bem o meu estado diante daquela mulher. Ela sorri para mim, me chama para dentro do quarto e me acolhe. Eu entro sem jeito, pedindo licença, sem querer atrapalhar. Vejo seu companheiro. Um homem que dá sustentação àquele processo. Parceria. A união, a lua nova, o encontro do sol e da lua e o nascimento de uma nova família.
Toda a família participava com alegria, auxiliando de diferentes modos. Senti-me em casa. Senti como se estivesse voltando para casa, para um lugar há muito tempo conhecido. Um lugar onde não havia medo, mas entrega e confiança. Essas palavras ecoavam em meu coração. O trabalho de parto se estendeu pela manhã e fomos almoçar. Um almoço preparado pela mãe da mãe, uma geração de mulheres se apoiando, exercitando a confiança e desafiando um mundo que diz que parto em casa não é mais possível. A mesa estava alegre, especialmente com a presença da primogenita daquela mãe que estava para parir mais uma linda menina.  A criança de dois anos e meio era muito amada e esperta. Entre nós duas houve um encantamento à primeira vista.
Durante o almoço, o pai desce correndo as escadas e chama a parteira: "está na hora". A parteira sai correndo, o médico também. Eu vou aos poucos. E chego ao lugar. Lá está a mãe. Fico admirada diante dela, diante de seu poder. Entro em outro estado de espírito. Aquele momento único contagia a todos capazes de sentir, de perceber o que está ocorrendo ali. O nascimento de um novo ser. Uma mulher dando à luz. E certamente, naquele momento, lindos raios de sol deviam estar saindo daquele útero em direção à terra. Intensidade. Um intenso sentimento de plenitude tomava conta de mim. E agradeci por ser mulher e por poder presenciar aquela hora.
A parturiente sente que cada vez mais é chegada a hora e vai nascendo junto com sua filha. Há uma força que vem de dentro da mãe e toma conta de todo o ambiente. Também me sinto forte. Vocalizações. Tenho vontade de vocalizar junto com ela. E sinto como se muitas e muitas gerações de mulheres estivessem ali juntas parindo e auxiliando aquela mulher e seu bebê a nascerem. Sinto-me plena. E a nova menina nasce! Chega a menina nascida das águas, de um parto na água em casa! Uma alegria toma conta do meu ser, bem-vinda a nova mulher agora mãe! Bem-vinda Iara, rainha das águas!

Imagem: Birth, Alex Grey

22.7.10

Pensando... pensando... Um nó. Um grande fio emaranhado, um grande enredo. O que é um grande enredo, senão uma boa história? Uma boa história pode começar com uma grande confusão. E sinto que essa não é diferente. Há de haver um clímax. Um mocinho e uma mocinha metidos em uma grande enrascada. Também me sinto numa grande enrascada. Talvez seja o começo de uma boa história. Escrever... contar a própria história. Pode parecer fácil, pode parecer tranqüilo, talvez até seja para aqueles grandes historiadores, grandes contadores de história. Mas eu sou uma poeta menor. Não me atrevo a contar histórias, assim facilmente. Preciso de uma fogueira, ouvidos atentos, inspiração. Silêncio. E como encontrar o silêncio em meio a esse barulho mental, macaquinhos no sótão, que não param um minuto de me incomodar?
Tenho como proposta escrever. Escrever algo que me dê prazer. Como unir prazer e dever? Proposta difícil. Mas parece que amor e dor sempre estão juntos, fazem parte de um mesmo continum. Vida-morte-vida. Sou a mulher-esqueleto e também o pescador desavisado. Estou com medo de pescar. Estou com medo do amor. Estou com medo da dor. Estou com medo da vida. Vivemos tão desconectados que já não sabemos mais do que a vida é feita. E quando ela nos encara, tomamos um grande susto. Queremos sair correndo. Queremos deixar de viver. Até que resolvemos encarar. E então, como começar a viver? Como sair do modo automático? A mente atrapalha-se, as emoções confundem-se. O coração aperta, as mãos gelam. e se instala um medo paralisante, uma agonia. Mas como é mesmo viver? Como é mesmo amar, brincar, correr, pular, dançar, morrer, renascer? Estamos perdendo a noção de ciclos e espraguejamos a natureza que ainda tenta nos mostrar como a vida funciona: primavera, verão, outono, inverno, primavera. Vida-morte-vida. Vida-morte-vida. É como uma canção. É como o silêncio. É como dançar. Preciso aprender a dançar com a vida e perceber do que ela feita e de que se alimenta.
“Pra quê rimar amor e dor?”  A dor cura. A dor faz surgir um amor genuíno. Mas quem quer sentir dor? Quem quer sacrificar o amado ego? Todos querem a tal felicidade. E nos tornamos maníacos.  Há pílulas felizes. Cafeína, cocaína, anfetamínas. Magros e felizes. Requiem para um sonho. Sorrisos a la Coringa: rasgados, amarelos, psicóides. Um louco que não continua sua jornada em busca de si mesmo e permanece na própria loucura. Preciso de silêncio, preciso parar. Preciso aproveitar o inverno que faz lá fora e me deixar desfolhar. Preciso escrever, preciso amar. Deixar a marca sobre o papel, suporte que é, senão,  meu próprio corpo. Quero relatar minhas experiências como forma de curar minhas feridas, de olhar para elas e retirar o pûs.  Mas o cheiro podre não me deixa nem ao menos olhar. E só consigo chorar de dor. Uma dor que nem sei de onde vem. Parece que de todos os lados. Do centro do peito se irradia por todo corpo. Está no sangue. O sangue passa e dói. A dor é um sinal de que ainda estamos vivos. Carne. Há uma dor em estar vivo. Esse é o aprendizado. Essa é a recompensa. E quando menos esperamos, surge a vida, um alento, um alimento. Prometeu foi condenado a ter seu fígado eternamente dilacerado e regerado pelos deuses. E Kíron, o iniciador, o curador, a própria dor, o libertou. Quero narrar minha história que é a de todo mundo. E como ser uma boa narradora? E como começar a contar uma história? Comecemos, então, por “Era uma vez...”.

Imagem: Noiva Cadáver, filme de Tim Burton

12.7.10

Vênus em Escorpião



Sim. sim. sim... Eu quero agora! Agora! Para! Para. Vem. Rendo-me, rendo-me a ti. 
Nesse jogo tu sempre vences! Sou uma perdedora. Uma perdedora que se perde em ti. Perder-se. Eu quero é isso mesmo: me perder em teus braços e teus abraços. Desisto. Me perdi dentro de mim mesma e não me reconheço mais. Eu que era tão forte, tão racional... Ao teu lado a racionalidade se esvai por entre os dedos como areia fina... Sinto-me menina, e rio de mim mesma. Não deixa de ser engraçado uma mulher tão controlada, tão cheia de si, tão... tão... menina. Mulher. Mulher que te deseja. Vem para meus braços. Estou aqui entregue. 
Entregue ao desejo de deixar a razão de lado e apenas deixar a paixão que me queima tomar conta de mim. 
Confesso, confesso que realmente fujo e estou aqui a escrever para aliviar a tensão, o T, para que você não grite vitória diante de meus ouvidos. Que poder é esse que dou a ti?
- Sabe... a sensação de estar fora do controle não me faz nada bem. - Disse, enquanto tragava um cigarro.
Fechou a mão. Sua vontade era de matar. Matar aquele que a deixava fora do seu amado controle. Ela olhava para o nada, sentada na cama e continuava a fumar compulsiva, mas lentamente.
- Não sei o que sou capaz de fazer. - Fez uma pausa e olhou firmemente nos olhos debochados dele, que estava deitado com um sorriso satisfeito:
- Você sabe que brinca com fogo, não é?!
Ele soltou uma risada nervosa.

Imagem: O beijo de Gustav Klimt

7.7.10


"...Só tenho uma chave e não sei que porta ela abre."
Há uma força destrutiva. Muitas vezes nos ataca quando menos esperamos, quando olhamos o mundo com olhos de menina. Quando fingimos não sentir o cheiro da dor, do sofrimento de tantas mulheres que já passaram pelos mesmos enganos e ilusões quando se casaram com seu predador. Em sua barba azul está o registro da dor, é um azul de um sangue venoso, um sangue que não alimenta, pobre de oxigênio, um sangue que sufoca. Por que procuramos esse sufocamento? Até quando as mulheres continuarão sufocando sua arte, suas dores, suas vontades de ser mais, de procurar um verdadeiro amor, algo que as alimente verdadeiramente. Essa é minha busca, mas quanto mais imprimo força para ir atrás  dessa liberdade, desse amor, mais uma força contrária se faz presente. Há uma luta. Mas sinto que uma energia selvagem me guia e se mostra em meus sonhos.
Tive um sonho e não tive um sonho. Um devaneio. Um homem já conhecido chegava perto de mim, me abraçava. Eu por ele nada sentia. Nunca senti. Mas não conseguia afastá-lo do meu corpo. A cena era partilhada com outras pessoas conhecidas que aprovavam seu abraço, seu interesse de homem e não mais de amigo. E ele vinha. E me envolvia.  Sem  conseguir falar, me deixava envolver, sem saber o que fazer. Até que ele me beijou. Até que estava envolvida por ele, mesmo sem querer estar. E assim ficamos e ali fiquei enebriada. E via no olhar dos outros aprovação, embora eu mesma não aprovasse e achasse aquela situação toda muito estranha. Um tanto quanto sem cabimento.  Mas ao mesmo tempo pensava como a irmã mais nova: "até que a barba dele não é assim tão azul". Quantas vezes fiz isso? Perdi as contas. Quantas vezes sorri quando queria mostrar os dentes, quantas vezes beijei sem querer beijar, quantas vezes aceitei me maltratar. Quantas vezes fiquei com a chave na mão sem querer despertar. Quantas vezes abri a porta e não quis acreditar? Quantas vezes tive de tropeçar e tropeçar, morrer e nascer de novo? E quantas vezes mais terei de por essa situação passar. Nessas horas temos de lembrarmo-nos que a vida é uma grande espiral e que o que aparenta ser não é. E o que é não aparenta ser. 
Paciência. O exercício da paciência para com nossa infantilidade se faz necessário. E o reconhecimento de nossa luta e esforço também. Disciplina. Confesso que estou cansada de subir a montanha e não vejo a hora de encarar de uma vez por toda a dor para adquirir uma nova e renovada consciência sobre a vida, mim mesma. Descobrir a força destrutiva que há em nós pode nos ajudar a reconhecermos nossa própria força. Deixamos de projetá-la no outro para reconhecer em nós mesmas. E então podemos ir em busca Daquela Que Sabe, da Mulher Selvagem.
Excerto: Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem.
Imagem1: http://lemuseemiroiteur.unblog.fr/tag/moimoimoi/les-dessous-de-la-palette/