17.11.09



Ainda dói. 
Ainda há dor.
Ainda a dor.
Ainda amor.
Ainda vida.
Quase morte.
Por que não morres?

Desligarei os aparelhos artificiais que te fazem viver. Já não faz mais sentido essa relação moribunda. Essa relação que me despedaça, mas que não me mata. Deixa eu desligar. Deixa que eu liberte nós dois desse sofrimento de viver pela metade. De não-vida. Deixemos que a morte nos invada. Nos entreguemos à libertação de um amor maior, verdadeiro. Sem apegos e misérias humanas mesquinhas. O que amamos um no outro? Busco a ti? Ou busco o resto da alegria minha, do sorriso meu que guardei em  ti? Que jornada é essa? Busco um espelho que reflete luz, mas não é a luz mesma. É simulacro, é engano, é engodo. Vamos separar o que é meu do que é teu para que possas ir sem me levar junto. Ainda não é minha hora de partir. Não posso morrer contigo, tenho de viver apesar de tudo. Apesar do abandono de mim, de toda a dor, de todo o desamor, de toda a vontade de partir. De não ser. De não estar. De explodir, de não reverenciar o que aí está. Tantas. Tantas vezes ouço vozes me dizem... Destruição. A morte instalou-se dentro de mim e pede as contas. Quer levar partes minhas que não consigo matar. 
- Mate de uma vez! Leva! Vai junto com as águas, com os rios. Que uma enxurrada me leve daqui. 
A vida é maior. A vida é o mundo. É um mundo inteiro! Continuarei cultivando nosso jardim. E aumentarei a variedade de flores e cores. Virão novas borboletas e também, novas lagartas. Parecerão pragas, mas uma paciência taurina espera a hora certa de apreciar sua transformação. Todo um ecossistema se forma novamente e a vida surge e tu ali estarás como passado, como morte.
Sinto-me como um esqueleto aqui ao teu lado. Um monólogo que segue compassado pelo som de aparelhos intermitentes que vivem por ti. Quem inventou essa enganação da morte? Por que não respondes, infeliz? Falo contigo! Morrerás por falência múltipla de órgãos, tudo morrerá aos poucos. Sordidamente. E eu postada ao teu lado, vendo cada pedacinho teu putrecer. Por que essa gana estúpida de viver? Por que viver desse jeito? Não cansaste disso tudo? Vai! Esquece esse corpo, me liberta. E deixa eu ser. Profana. Sagrada. Prosaica. A deusa. 
Estou jogada às traças. Vou me oferecer pro mar e ver se Yemanjá cuida de mim. Porque não tenho condições de cuidar de mais ninguém. São muitas as feridas e só o colo da Grande Mãe que tudo cura com seu sal poderá lavar minha'lma, lamber minhas feridas. Ó Grande Mãe me carrega como pescador. Faz de mim sereia do mar. Deixa-me viver o doce sonho das águas e ser pescada como um tesouro por um grande marinheiro cheio de sonhos e histórias sobre o mar. Aventuras que me embalem e me reconduzam à arte de amar.

Imagem: Willian Bouguereau

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