23.12.09



"O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência
E a única inocência não pensar..."

Nunca se pode recuperar a ignorância perdida. Esse é o preço que se paga quando resolvemos realmente nos olhar. O espelho mágico tem me dito muitas verdades difíceis de aceitar. Mas são verdades e já não posso negar. Tanto olhei-me no espelho, tantas perguntas e agora tantas respostas e não adianta querer matar a Branca de Neve, já sabemos o fim da história. O inconsciente nunca morre, apenas se esconde de nossas vistas até que estejamos preparados para novamente olharmos para ele. E ele espera, espera. E um belo dia nos recebe. Quando aceitamos o lado mágico da vida, quando paramos de brigar com o nosso self. Como é difícil aceitar que não somos somente bruxas ou rainhas guerreiras, mas também belas mulheres femininas cheias de doçura e receptividade. Não somos somente a bela guerreira Atenas, mas também Coré. Filha, irmã e mãe. Todos os arquétipos existem em nós e isso são apenas papéis que exercemos, porque em verdade somos mulheres, a expressão do feminino. Afrodite.
E temos honrado esse feminino? Temos nos dado espaço para sermos verdadeiramente mulheres? Temos olhado para as nossas feridas? Nossas raízes? O que nos constitui? Qual a nossa linhagem? O que reproduzimos? Quais são os nossos padrões familiares?
Há um vazio. Um imenso vazio, feminino ferido, mas um masculino ainda mais ferido. Uma sociedade doente. Desenraizada, agonizante pois já não recebe mais a fluidez das águas que correm por debaixo da Terra e não sabe mais a que veio. Parece estar voando sem suas bases. Vivemos no automático. Perdemos a espontaneidade e já não sabemos de que modo servir ao mundo nem a nós mesmos. Nos perguntamos o tempo todo a que viemos e por negarmos a respota - porque se ouvíssemos teríamos de abrir mão de muita coisa - vivemos de preencher vazios. Comemos, compramos, bebemos, transamos, possuímos e projetamos nosso self sombrio no outro, nas coisas e buscamos incessantemente esses pedaços, esses cacos esfacelados de nós mesmos. E por isso é tão difícil deixar as coisas irem embora e fluir com a água, cada um que se vai, cada coisa que se parte é parte de nós que parte. Porque não conseguimos nos integrar, não admitimos nossa beleza. Hoje creio que o maior medo de se ver é o fato de perceber-se completo e não o medo de olhar o podre. Isso sabemos. Mas e quando percebermos que somos únicos, divinos, inteiros? O que faremos com isso? Não precisamos mais buscar fora, está tudo cá dentro.
O mundo é mais, nós somos muito mais. Podes agora descolar da parede, não necessitas mais destas muletas, vê teus pés, tuas raízes, sente tua força. Levanta-te e anda! E segue firme, afinal és um filho de Deus, um filho da Terra, da avó Lua e do avó Sol e seja lá como entendas esse Grande Mistério, tudo é a mesma coisa. Deus tem muitos nomes, esse é apenas um deles. João, Maria, flor, árvore, céu, estrelas, luz, pássaro, corpo, homem, mulher, vida. O ser de mil olhos, mãos, pés e braços.
Que a Vida me dê forças para romper com o que precisa ser rompido, honrar o que tem que ser honrado, viver o que tem que ser vivido. Tirar as rodinhas da bicicleta e perceber que já me equilibro sozinha e que posso andar muito hábil pelos campos a fora, pelos caminhos da vida.

Imagem: Vincent Van Gogh, The Mulberry Tree

Excerto: Alberto Caeiro, O guardador de rebanhos, 1914.

Nenhum comentário: