22.11.08



"No retrato que me faço
- traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco –
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!"


Gostava de pensar que uma velha habitava meu corpo. Um espírito de velha. E como toda velha, essa também não deixava de ser rabujenta e a avó querida e sábia. Também não deixava de ser caduca e faladeira e cheia de manias andando com suas chinelas pra lá e pra cá. Metia o bedelho onde não era chamada, achava que sabia tudo, afinal tinha mais idade. Sempre estava com razão. E, algumas vezes dava-se conta de sua velhice, não dava o braço a torcer; - "vão achar que eu estou ficando velha". Criei essa velha que explica a mim mesma minhas rabujices, meu gosto velho. Realiza meu desejo de sábia mulher, sabedoria da experiência. A madureza tranqüila de quem já viu tudo no mundo e não se surpreende com nada mais. Acha graça de tudo, de si mesma. Acha-se engraçada, sua cara engraçada, olha-se e não vê seu reflexo. É uma velha. Mas o fato de ser velha não a fez esquecer sua juventude tampouco sua infância, os anos parecem aumentar sua capacidade de lembrar, - se surpreende. Músicas, cheiros, gostos, sorrisos, fotos, cenas do hoje que a levam imediatamente para o ontem. Quem a vê, não imagina o que se passa em sua mente, é como um nítido sonho. Lembra de seus amores e de cada detalhe. O sorriso os gestos os cabelos os olhares as mãos entrelaçadas os abraços os beijos. Amou. Amou a alma além do corpo. Como eram lindos os seus amores e desamores. Os gostos da infância. Admira-se com a vida, o ser, ama, sente. Vê seus netos. Vira menina-velha velha-menina. Rejuvenesce. Então ela brinca e ri.
Portinari, Cambalhota - 1958.
Mário Quintana, O auto-retrato.

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