31.5.09



Ultimamente pensamento e sentimento têm andado em sentidos opostos. A antítese, o antagonismo repousa em mim. E me perturba, me tira o sono. O que fazer? Por que essas situações aparecem agora? Não quero lidar com isso neste instante. Por que nesse exato momento? Você não pode esperar? Agora estou com pressa, muitas coisas a fazer. Quero voar.

A moça da casa rosada, quase abandonada, mal havia acordado aquela manhã, quando ouviu o soar da campanhia. Quem seria? Não aguardava ninguém, havia algum tempo. Já se acostumara com a companhia da solidão. E agora, sentia-se estranha diante de pessoas diferentes dela mesma. Acostumara-se com o silêncio das coisas, com a própria companhia, seus monólogos. A casa velha, a coleção de biscuit, o tapete desbotado da sala, a madeira, seu mundo. Lá fora nada lhe importava. No entanto, naquela manhã, havia decidido, depois de muito pensar, muito discutir consigo mesma sobre seus rumos, havia decidido que abandonaria tudo para conhecer a estranheza do mundo. Havia decidido que sairia daquele lugar, no alto da montanha solitária da pacata cidade. Queria misturar-se aos outros, ser outra. Conhecer. Deixar-se conhecer.
Mas quem seria? Quem viria até o alto da montanha para bater à sua porta? Quem viria interromper seus planos, todos os seus esquemas planejados para aquela manhã? Foi até a porta de mau-humor. Ainda hesitante. Deveria abrir a porta? Poderia fingir que não havia ninguém e esperar até a pessoa inoportuna embora. Din-don. São interrompidos seus pensamentos. A impaciência é, agora, sua companheira. Vai, então, até a porta decidida a expulsar o forasteiro. Deveria haver um bom motivo para importunar-lhe a essas horas da manhã. “Logo hoje que tenho tanto a fazer! Vamos acabar logo com isso, Veludo”. Disse a si mesma e a seu gato que apenas levantou as orelhas e continuou a dormir no sofá da sala.
Abre a porta. Não vê ninguém. Estranha, aliviada. “Foi embora”. Respira fundo. De repente, uma rosa segurada por uma mão estendida. Um corpo. Um homem. Que homem é esse? Seu coração dispara. Não esperava aquela visita, aquela rosa, aquela mão estendida oferecendo-lhe uma flor. Por que justo neste instante em que decide correr o mundo, vem algo, pedindo-lhe para ficar? Por que esse amor gratuito? Nunca o tinha visto ou o tinha desejado. Quem era aquele homem que batia a sua porta? Quis recusar, fechar a porta, ignorar. Não pode, o homem já havia entrado em sua vida, em sua casa. Procurava um lugar para sentar. “Moço, veja bem, não sei quem é, nem o que faz aqui, mas hoje tenho muito que fazer. Estou de malas prontas, de viagem. De passagem. Entenda, estou de malas prontas, de viagem. Preciso me apressar. Não tenho tempo para conversas, discussões. Deve haver um engano, bateu na porta errada, não sou sua amada”. O rapaz sorria e olhava para a moça como se já a conhecesse e soubesse seus segredos. Seu sorriso denunciava que já esperava aquela recepção. E cada atitude desconcertada que a moça tinha, o rapaz demonstrava mais certeza, em seu sorriso, de que aquilo tudo era esperado. E mais desconcertada a moça da casa rosada ficava. Não. Isso não podia estar acontecendo. Definitivamente deve haver algum engano. “Eu não o conheço. Como se atreve a olhar-me assim? Não lhe sou íntima. Como se chama?”
“Sou teus sonhos, o inesperado, a surpresa, o arrepio, o tremor, a vida que circula nas tuas veias”. Disse-lhe, respondendo seus pensamentos.

Imagem: Frida Kahlo, O suicídio de Dorothy Hale,1938.

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