7.8.09



"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de sinha Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram à fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava."


Real. Ando extremamente realista. Entro em contato com o Real e percebo minha loucura. Não há nada mais louco do que tomar a palavra pelo que ela exatamente é: palavra. A coisa. É a extrema seca do ser. Preto branco. Já não há mais chuvas. Tudo é aridez. O seco toma conta e o sol torna-se causticante, intenso. Dolorido. Pesado. Fogo. Provação. Finalmente a dor é aquilo que se sente ao provarmos o real, a vida intensa, a vida que circula no sangue de um inseto, que pulsa na terra, nos vários pequenos seres que trabalham sem ninguém perceber, aquilo que se transforma a todo instante. A própria impermanência. O dia e a noite. A luz e a sombra. O natural e o que achamos ser sobrenatural. Tocar o real é ver a vida sem máscaras. É o nu. Apenas o nu. Sem desejo. Sem tesão. Sem asco. Sem assombro. É o que é. Está posto. Adão e Eva antes de comer a maçã. A inconsciência, a ideia de completude. Um cachorro vivo acha-se feliz porque não se percebe como cachorro.
Tapas na cara. A vida tem me dado muitos tapas. Já acordei sem mil vezes de doces sonhos desconexos. Os olhos não piscam mais. Nem abrem como antes. Estão fixos num ponto vago que nem mesmo eles sabem onde é. Não conseguem olhar pra fora. Mar adentro. Buscam um ponto na alma. E não entendem ou decodificam o que veem. Apenas olham. Tentam manter a sobriedade. Tentam enxergar a luz. Mas neles mesmos têm um maldito ponto cego. Uma escuridão que não se alumia. Em que parte da vida estou cega? O que eu não enxergo? Onde está o ponto cego? É possível enxergá-lo? É essa luz cega. Esse branco intenso no azul gritante do céu. Não se vê sombra. Um eterno meio-dia se faz sobre os seres e não há possibilidade de enxergar-se qualquer outra coisa além de objetos intensamente iluminados. O deserto o real o oasis o delíriO.
Imagem: Mulher Chorando, Cândido Portinari, 1945 Coleção Retirantes.
Excerto: Vidas Secas, Graciliano Ramos.

Nenhum comentário: